Meu avó era um cara bacana. Era austero e brigava por tudo, mas no fundo a gente sabendo levá-lo, conseguíamos o que queríamos. Ele era parecido com o Mário Lago. Ele era o único homem da casa. Lembro-me quando eu corria no corredor de calcinha e sutiã, atrás de minhas roupas que estavam sei lá onde - nos baldes de roupas limpas ou sujas - ele gritava: sem vergonha, vai se vestir!!!! E eu corria morrendo de rir. Nem ligava. Minha avó ria. Ah tempo bom!!!
A casa dele, onde cresci, é enorme. Aquelas casas que têm corredores compridos e ir na cozinha a noite era testar o medo de alma. Tinha umas cinquenta gaiolas de passarinhos e uns cinco viveiros, dois papagaios, uma grauna, dois pastor alemães e uns ratos (praga que só aparecia a noite). Uma zuada que começava as cinco da manhã. Graças a idade que eu tinha, meu sono nesse tempo era pesado.
Eu tinha medo dele. Mas fui descobrindo que ele mais fazia zuada do que agia. Nem quando ele me colocava de castigo eu ficava. Ia ao banheiro e me perdia na volta para o quarto. Eu ia era pra rua. Descalça, descabelada....era bom!!!
Eu mexia em seu escritório. Brincava lá. E depois que cresci era lá onde eu ia ligar para amigas e paqueras. O telefone era de discar e ele trancava com cadeado. Um dia prestei atenção ao cara da Telepisa (na época, era esse o nome). Ele discava batendo nas teclas. Pedi para que me ensinasse. E foi a glória. Eu aprendiiiiiii!!!! O telefone ficava em cima da mesa dele. Que era enorme e cheia de preocessos e coisas...muitos papeis, O espaço que tinha embaixo era legal. Eu o puxava para baixo e ficava ali por horas. A conta vinha alta. Mas eu jamais fui culpada. Mesmo assim ele ficava besta, pois só ele tinha a chave do pequeno cadeado. Um dia, quando ele estava doente e bem velhinho eu lhe contei. E ele riu..Tão lindo aquele sorriso. Ele não tinha mais tanto fôlego. Vivia com falta de ar. Com aquela máscara no rosto. Sofreu. E foi um cara tão bom. Advogava de graça pra quem não podia pagar. Era maçon. Era espírita. Era gente boa!
Quando eu engravidei aos quinze anos, a única pessoa que eu fiquei triste por entristecer, foi ele. Nossa...aquela sensação de erro e de pecado me atormentou por quatro eternos meses. Tempo em que minha barriga não aparecia, portanto eu não encontrava coragem pra contar. Mas o resto eu ia vivendo.
Ele foi de uma delicadeza espantosa quando me chamou no quarto e disse: Tão inteligente e viva, como foi cair nessa? Fiquei sem saber "se nessa" era ter transado ou engravidaddo!! Ou os dois!!!
Eu não tinha coragem de olhá-lo. Fiquei vários meses meio distante. Mas só me sentia bem lá na casa dele. Casa que ainda hoje me refiro LÁ EM CASA!
Sei que o magoei, mas a mãe que sou de onde ele estiver, sabe que tudo é como tem que ser. Não sei se ele estava certo em dizer que desperdicei o privilégio de ser inteligente. A verdade é que eu até hoje não sei pra que é que serve é ser inteligente. Não consigo me deixar ser avaliada, porque todo mundo pesca. Todo mundo usa a esperteza para melhor se dá. Então, na verdade, não perdi muita coisa , não. Se fosse isso importante, cientista era rico!
Ele era um cara honesto e justo. Justo assim, às vezes dava razão ao que estava errado. Eu pelo menos não mexia com ninguém, mas quando mexiam comigo eu tacava logo a mão. Era assim...
Meu avô me ensinou a ser assim: ter as minhas coisas e pessoas e viver com elas e pra elas. Nada além.
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