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sábado, 16 de fevereiro de 2013

Os Sentidos

Cada dia vejo que tenho razão em minha posição em relação a vida aqui na Terra. Não tem sentido algum. Não pode ter. A não ser que minha visão seja turva ou torcida para lá e para cá. Visão de bebum, de gente que nada compreende, portanto nada sabe.
Faltava uma semana para as aulas de Galeno começarem e, eu estava finalizando as compras para sua nova empreitada. Tudo novo. Inclusive o colégio. A mochila não tinha necessidade de trocar. A do ano passado é do Ben Dez. Uma malinha. Ele com os olhos mais abertos que o comum - sua marca quando quer condicionar sua fala e vontade - explicou-me que aquela seria para usar em viagens e a desejada, dessa vez do Homem- Aranha, seria apenas para o uso como aluno. Assim seus materiais jamais seriam perdidos. Principalmente as borrachas que parecem ter pés próprios. Andam sempre por aí. Algumas são encontradas sem pedaços. Mastigadas.
Argumentos aceitos. Mochila nova comprada. Já a farda me trouxe chateação. Um único lugar a vende. E não tinha a calça.
- Poxa, mulher, como não tem a calça? As aulas começam segunda. Vocês não se prepararam direito , não.
Saí da loja só com as blusas e rumei para a fábrica. Chegando lá para meu espanto também não tinham as calças. Pasmei!! Isso não pode ser. Vocês são os únicos a venderem e não há farda? Sem arrumar barraco, porque eu odeio falta de glamour, pedi para falar com alguém acima da atendente ou vendedora, nem sabia o que a moça era. Deve ser tudo. Fica mais fácil e barato.
- A senhora quer falar com o dono? É aquele ali!!
Um sábado antes do sábado de carnaval. Dia de Corso em Teresina - festa tradicional, onde todos se fantasiam e percorrem um trecho da av. Raul Lopes. Muito animada e que está no livro dos recordes Guinness Book, pela enorme concentração de pessoas e que a cada ano aumenta - tudo bem que o cara era pobre e ficou rico fazendo fardas e camisas de propagandas e abadás e que seja mais próspero a cada ano. Amém! Mas se é monopolizado o fardamento, uma solução haveria de ter. Eu estava "puta" de raiva, mas me segurando numa educação de primeira, que não foi aprendida com meu avô carcamano.
- Tenho sim, as calças. Estão na lavanderia. Irei mandar abrir. Quantas a senhora quer?
O cara estava tipo como quem está num feriado. De blusa de malha e bermuda. Eu acho legal a pessoa ser profissional toda hora em ambiente de trabalho. É calca comprida mesmo! Mas não tenho nada a ver com o estilo dos outros. Sei de histórias que ele é trabalhador. Enfim, esperei....esperei...esperei...Chegou uma Hillux do governo do estado ( será que tem que escrever isso de letra maiúscula?). O cara foi atender a tal mandona que dizia: se você não tem para agora, vou comprar na mão de fulano!! Sabemos que governos são bons compradores. O dinheiro não é deles!! Rum...ahhhh....estou sendo maldosa?? A única coisa que eu queria era a farda do meu filho. Queria três calças azuis-marinho.
Não é que o cara me esqueceu?! Algum anjo passou por perto da minha mente que não estava nada em paz. Meu Eu dizia: arruma um barraco logo, porra!! Com a voz entrando na minha cabeça como uma melodia, o anjo cantou: "compre o tecido e corra atrás de uma costureira". Levantei. Fiquei nos altos dos meus 1,70m e saí caminhando para o meu carro. Que lá no sol, ardia em chamas invisíveis. A moça grtou: senhora!!
Mas o anjo que veio ficar comigo não deixou eu me virar para dizer: vão se fuder!!
A caminho do local que vende os tecidos, fiz a ligação que dependia a minha paz no final de semana:
- Edna, mermã, salva-me!! Faz uma calça de farda p Galeno ir segunda para aula. O bichim é tímido. Não dá para ir diferente dos outros e é seu primeiro dia de aula nesse colégio. E......
- Calma! Traga o tecido e o modelo!
Deu tudo certo. Levei o tecido. Não levei o modelo. Mas é farda. Farda é farda.
Cheguei em casa e contei para Nilde, figura interessante que trabalha como doméstica em minha casa. Típica do nordeste. Mete suas falas em tudo, inclusive quando estou conversando com meu marido ou reclamando de um filho, ou até mesmo quando estou ao celular. Sua opinião é coisa que se escuta a todo momento. E ela tem razão em tudo. Nunca está errada. E quando a olho com cara de quem quer matar um, ela logo diz: " por isso é hipertensa!! Doida demais"!
Nilde não achou meu problema grande. Deu de ombros para mim e disse:
- Pior é a prima do meu marido. Não tem onde cair morta e está grávida de gêmeos. Ela não só tem vontade de mandar os outros se fuderem, como manda mesmo!! Tá revoltada com Deus, porque ele mandou dois filhos para ela.
Fiquei caladinha. Tem sentido isso? Como uma pessoa que mal sobrevive, engravida de gêmeos? Uma coisa chamada genética trouxe a dádiva, mas quem levou a culpa foi Deus.
E vou parar por aqui, porque daí vem tantas coisas que poderiam evitar essa situação. Não que não transar seja a solução...mas preservativos existem de graça pelo SUS....e lá lá lá lá
Uma coisa eu tenho certeza: a consciência de cada um é ímpar e quanto menos instrução, menos se conhece o bom senso. A civilização corre em passos de formigas de um lado e de outro como o papa légua. O coite sempre inocente, perde todas. Assim, Eu, Galeno, a mochila, a farda, os interesses, a educação, o sol, a mente, a costureira, Nilde, a prima do marido, a  genética e Deus, vão se misturando numa batedeira imensa. E o bolo da vida, para mim, fica cada dia mais sem sentido.
O jeito é viver sem dar ar demais ao balão da vez! Melhor dizendo: Não dar grande ênfase àquele problema. Pelo menos eu quero crer que seja essa a melhor coisa a fazer!

Valéria Hidd

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

O Conto da Liberdade

Um dia eu sonhei que era um pássaro. Quão maravilhosa fora a minha sensação de leveza.
Eu não tinha ninho. Passava o dia passeando, procurando alimento e voando. Era muito agradável o que eu sentia lá no íntimo. Não precisava me preocupar com ninguém. Só eu existia para mim.
Qualquer sinal de quebra da minha rotina eu voava para longe. Minha vida era como se eu fosse um adolescente. Com um mundo só meu, nada percebia o que acontecia ao meu redor. Absorta em meus pensamentos. Alheia aos outros.
Julgava-me feliz. Ninguém me prendia porque eu não cantava, embora eu fosse um pássaro lindo. Companhia, só a minha.
Um dia eu estava parada em um fio de eletricidade e avistei um lindo pássaro enorme. Era charmoso. Fiquei impressionada.Ele me olhava de um jeito sedutor. Jamais havia visto um ser tão admirável.
Ficamos nos olhando de longe. Ele embora me quisesse - eu senti - não me encarava. Achei estranho, mas nem liguei para esse detalhe.Tínhamos penas, asas e o fato dele ser bem maior não me impedia de querê-lo cada minuto mais.De repente percebi que estava longe de onde costumava dormir. O sol já estava se pondo.
Outros pássaros passavam por mim e diziam algo, mas eu não consegui escutar. Tentaram chamar a minha atenção enquanto seguiam para descansarem. Deveria ser algo sem importância.
O meu coração estava aos pulos. Descompassado. Eu vibrava a cada batida de asa em sua direção.
Aproximei-me do lindo pássaro. Quem sabe ele não estaria sentindo o mesmo que eu!
Ele galante me elogiou. Achou as minhas penas lindas. O colorido refletia um brilho ímpar, ele me dissera.
Comecei a sentir coisas inexplicáveis. Um desejo enorme de estar em seus braços e tê-lo como eterna companhia. A paz que eu sentia, dera lugar a inquietação.
Logo depois eu senti um pavor aterrorizador. Uma dor inimaginável em minha patinha esquerda.
Meu lindo pássaro era na verdade um gavião-rei. Ele havia deixado nas montanhas sua família e saíra em busca de alimentos. Eu, literalmente, seria a comida.
Desesperadamente quase que esperando um milagre, reagi e me livrei de suas garras caindo em queda livre.
Cheguei a terra fofa da praia muito machucada. Desmaiei e quando acordei estava sendo cuidada por uma criança que conversava comigo e quando notou que despertei ficou super feliz e correu para avisar a sua mãe.
O tempo foi passando e eu me apeguei àquela criança. Tinha dificuldade para andar e não podia voar.
Agora possuía um ninho que era todo cercado. A porta pesada para minha débil força. Como não cantava, jamais alguém parava em frente a mim. Passavam e nada de beleza enxergavam.
Passei a ter ojeriza pela liberdade.Minha proteção e alimentação estava de um vez por todas nas mãos daquele ser tão meigo e cheio de amor por mim.
Vieram a mim outros sentimentos que jamais eu conhecera: medo, covardia, insegurança, melancolia e solidão.
Fui me acomodando e mesmo sem entender o que a criança falava fui confiando em seu amor. Eu também o amava. As mudanças me assustavam. Era tudo de acordo com o balanço do ninho.
Uma manhã ensolarada e cheirosa, a criança levou-me em suas mãos para fora de sua casa. Imediatamente, lembrei-me do insidioso pássaro. Minha patinha já estava curada, mas encarar a liberdade mais uma vez, era demais para mim.
Logo em seguida, senti todo o meu corpo adormecer e uma dor intensa e fatal adentrando o meu coração.
Havia morrido no sonho.
E assim, vê-se que há na vida um remédio bem caro chamado reação. Muitos podem até dizer que são fáceis as mudanças depois de uma tempestade. Na verdade, não são.
Bem-estar começa na mente, vai percorrendo o espírito e por fim chega ao corpo. Já vi muitos sem esta ferramenta que só a sábia liberdade traz. Tudo numa conexão necessária para os embates e emboscadas das quais vamos nos metendo, por assim dizer, serem com saídas.
Perder de vista a liberdade e voltar a vê-la dá medo mesmo, mas com cautela a gente vai levando. Levando essa vida!

Valéria Hidd - Escrito em Janeiro de 2007.








Dizes Quem Sou

É  a verdade oculta, omissa e próxima
Dor latejante e cruel
A prova de que nada realmente existe
De que tudo tem um fim e,
Que todos os sentimentos, exceto o de mãe,
São efêmeros.
A Verdade de todos
A Triste lembrança do acabar
A flecha que o cupido não traz
O sopro do vento que arranca folhagem fixa no Tempo
O descobrir das falhas e juras falsas
O acordar do conto que nunca teve um príncipe
O jato das palavras decifradas para cego sem braile
O furto da esperança de Ser
A madrasta da insônia
A busca pela ignorância e o ódio
Da inteligência
A fuga da realidade desejada e da Razão perdida
O sentir diminuído e sem lógica
O ter que ir estando louco para ficar
A certeza de que tudo haverá de mudar
O desabrochar de um novo indivíduo
A inocência deixada para trás
E a vida empurrando para frente.

Valéria Hidd - Escrito em julho de 2005.

Memórias do Carnaval que se Foi

Terça-feira. Quando despertei e fui atrás de um cafezinho ouvi da casa ao lado marchinhas de carnaval. Que maravilha. Abri a porta da frente e fiquei escutando calada aquelas músicas que tanto me animaram nos clubes, vindas do muro ao lado. Era bom demais. " Ô jardineira por que estais tão triste, mas o que foi que te aconteceu...." Esta, sempre foi a minha preferida. Dançava-se rodando o salão. Os meninos pegavam em nossa cintura e íamos dançando,cantando e pulando...magia pura.
Ouvi um senhor certa vez contando que em seu tempo o lança-perfume era jogado no salão, nas meninas...uma coisa prazerosa que ia ajudando nos flertes, como ele chamou a paquera do meu tempo e que hoje nem sei como se chama. Talvez seja dando moral!Já em minhas idas a clubes nada seria estragado se jogando no ar. Usávamos um lenço. Cada um tinha um reação diferente que era comandada pela intensidade na inspiração. Tinha gente que dizia que não dava em nada, mas ria para se acabar. Era muito engraçado. Nunca comprei um frasco sequer, mas sempre era fácil conseguir um lenço úmido, ou mesmo uma porção do cheiroso líquido na blusa mesmo.
Era bem rápido o efeito. Jamais deu p sair do ar totalmente. Eu ia com tanta recomendação de minha mãe que ficar à vontade nesses devaneios era muito difícil. Dá uma encostada no lenço e fazer de conta que pegou o maior barato era frequente. Mesmo eu estando entre meus amigos de infância que eram praticamente os mesmo do colégio, ficar sem noção da situação por alguns minutinhos não "dava pedal". Mas que era bom, ah isso era demais!!!
Tinha umas regras. Tinha que ir embora todos juntos e também não podia ir para outro lugar. Sair e voltar, jamais. Haviam os que vigiavam os mais afoitos. Eu nunca saia de onde estávamos. Gostava da folia com todos juntos. Namorar ou algo mais, podiam esperar.
Lembro de certa vez pegar o frasco de lança-perfume para colocar na manga da blusa de um primo meu. Soltei sem querer e foi a zuadinha mais linda que já ouvi: POC!! O dono da coisa brigando, querendo me dá uns tapas e eu impressionada com o sonzaço que saíra: POC!! E tudo evaporara. Nem molhou nada.
- Essa menina tá brincando com a minha cara!
Eu não estava. E como havia uma muralha até chegar a mim, deixei a confusão lá e saí dançando " Nega do cabelo duro que não gosta de pentear...."Um sucesso estrondoso de Luís Caldas, inaugurando assim a entrada do axé nos carnavais e a despedida das minhas adoráveis marchinhas que eu tanto amava. Mas também amei o novo!!
Minhas fichas de guaranás haviam acabado e eu estava morrendo de sede. O jeito foi matar quem me matava com goles de cervejas dos copos amigos e nem tão amigos e que iam ficando cada vez mais próximos um do outro.Só que olhei uma hora para o salão e tudo rodou.
- Vixe, isso aqui amiga, é pior que o lança!!
Fui caminhando com minha amiga para o banheiro e lá encontramos: umas fazendo xixi, outras cheirando loló, lança, fumando, vomitando e eu, molhando a cabeça numa torneira com a pia já quebrada.
Não achei um pingo de graça em beber cerveja. Primeiro a vontade de fazer xixi era grande e depois, deu-me um enjoou que enquanto não vomitei em cima do pé de um amigo, o mundo não voltou ao normal.
Os amigos de adolescência são solidários. Logo apareceram um cachorro-quente e uma coca-cola.
O Mundo de Valéria chegara ao normal. O intervalo acabou e a banda com aquele som lindo chamando a todos para o salão. E lá estávamos todos de pé, rodando o salão, abraçados e cantando: " Olha a cabeleira do Zezé será que ele é, será que ele é? Bichaaaa"...

Valéria Hidd